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Contra acusação de apologia ao crime, “A Força do Querer” exibe drama de PM

Mauricio Stycer

14/10/2017 05h01


Ao centrar uma das histórias principais de "A Força do Querer" na trajetória da mulher de um traficante de drogas, Gloria Perez se expôs a uma crítica recorrente, a de que estaria "glamourizando" o mundo do crime.

A crítica, na minha opinião, é injusta. Primeiro, porque a autora se inspirou em uma história real, descrita em detalhes em um livro. E, segundo, porque a novela deixa claro que as escolhas feitas por Bibi transformaram a sua vida numa desgraça.

Em todo caso, tenho a impressão que Gloria Perez ficou tocada com as críticas e compensou o público. Em primeiro lugar, a autora escalou como antagonista de Bibi (Juliana Paes) uma policial perfeita, a incorruptível Jeiza (Paolla Oliveira). Exemplo na corporação e fora dela, a major mostra um lado de excelência da Polícia Militar.

Gloria Perez também evitou mostrar a corrupção no mundo policial. Os criminosos têm facilidades na prisão, conseguem fuzies e escapam de situações difíceis, mas a novela nunca mostra qualquer agente da lei aceitando vantagens.

Por fim, nesta semana, a autora fez dois acenos explícitos ao universo policial. No capítulo desta sexta-feira (13), a novela terminou com uma cena que mostra a brutalidade de criminosos contra policiais. O PM Gerson (Well Aguiar), braço direito de Jeiza , foi assassinado durante um assalto, no qual não reagiu (imagem no alto), quando um dos criminosos se deu conta que ele era policial.

A cena realça um drama com alta incidência no Rio de Janeiro – a morte de policiais. Mais de 100 já foram mortos em 2017 na cidade. Por coincidência, o ator Well Aguiar perdeu um irmão, policial, exatamente na mesma situação que encenou na novela.

Em homenagem a PM morto, Caio pede a reforma do Código Penal

A cena do enterro de Gerson, exibida neste sábado (14), incluiu uma homenagem de "A Força do Querer" aos 108 policiais mortos este ano no Rio. "Homenagem aos 108 policiais que neste ano de 2017 saíram do seio de suas família para combater a criminalidade e jamais retornaram", informou uma mensagem estampada na tela.

Em seguida, Caio (Rodrigo Lombardi) fez um discurso cobrando uma reforma do Código Penal brasileiro. Ele citou que a legislação prevê pena de três anos para quem é preso portando um fuzil. "Fuzil é a arma que mais mata entre nós. Enxugamos gelo. E ainda assim, com a falta de material humano, a gente consegue evitar uma barbárie", disse o personagem.

"O que nós exigimos, o que a sociedade exige, é uma reforma criminal, um Código Criminal adequado. Porque a sociedade está em 2017, o crime acompanha a sociedade em 2017, e o nosso Código Criminal parou em 1940", protestou.

A prisão de Rubinho

No início da semana, "A Força do Querer" fez outra homenagem, desta vez à Polícia Civil. Na equipe do policial Werneck (Lucci Ferreira), encarregado de prender Rubinho (Emilio Dantas), atuou como coadjuvante um policial de verdade, Reinaldo Leal, que tem vínculo com a história.

Leal participou da equipe responsável por investigar e prender o traficante Saulo de Sá, no qual Gloria Perez se inspirou para criar Rubinho. Toda a cena da prisão, incluindo a tentativa de suborno, foi inspirada na realidade, segundo o relato do policial.


Levado para a delegacia, Rubinho teve um diálogo com Werneck e Jeiza, diante de Leal (acima), em que Gloria Perez fez outro afago à polícia, reproduzindo um discurso típico nesta corporação.

Werneck: Você teve preparo, mas só utilizou a inteligência para o mal.
Rubinho: Eu tive preparo mesmo. Errei uma vez. No fundo, no fundo, delegado, eu aprendi a ser bandido foi dentro da prisão. Porque se o policial que me prendeu da primeira vez tivesse me analisado como o senhor tá me analisando agora, com certeza eu não estava aqui.
Jeiza: Conversinha pra boi dormir, né, colega? Conversinha pra impressionar amador. A cadeia só abreviou o seu caminho.
Rubinho: Eu tinha chance. Eu tinha chance. Só errei uma vez. Uma vez. Eu tinha um futuro, eu estudava. Os professores diziam pra mim que eu tinha um futuro.
Jeiza: Pois é. E quem sabe hoje, em vez de estar sendo preso por tráfico de drogas, não estaria entrando na Lava-Jato, não é? Melhor assim?


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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.