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Em meio a muitos acertos, “Novo Mundo” errou ao representar a escravidão

Mauricio Stycer

25/09/2017 19h54


Com a ambição de retratar um período histórico fundamental, o dos antecedentes da independência do Brasil, "Novo Mundo" saiu-se muito bem, mesmo tomando várias licenças poéticas.

A novela promoveu bastante entretenimento, mas nunca perdeu de vista que estava retratando um período que os brasileiros conhecem dos livros escolares. E deu vários "recados" importantes para o espectador.

A história de Thereza Falcão e Alessandro Marson colocou em primeiro plano o papel da princesa Leopoldina, artífice do processo de independência, e mostrou um d. Pedro despreparado e de moral ambígua. Exibiu um Rio de Janeiro provinciano e sujo. Fez um paralelo entre a falta de comprometimento e educação da elite da época e a miséria política atual. Insistiu em falar da tragédia indígena, um tema importante, mesmo que este núcleo não tenha se integrado ao restante da novela.

Apenas ao retratar a escravidão, creio, os autores falharam. O assunto foi bastante falado, mas não mostrado de maneira satisfatória. Talvez por causa do horário, eles evitaram retratar a brutalidade da exploração dos escravos.

Mais grave, na minha opinião, sugeriram uma visão otimista do problema. Todos os personagens escravos da trama terminaram libertos, por generosidade dos mocinhos. O casal formado por Diara (Sheron Menezes) e Wolfgang (Jonas Bloch) superou os problemas para mostrar, por meio do bebê nascido no último capítulo, o triunfo de uma relação inter-racial. O jornalista Libério (Felipe Silcler), filho de escravos, teve final feliz com Cecília (Isabella Dragão), filha do grande vilão, o traficante de escravos. Este, Sebastião (Roberto Cordovani), teve final humilhante. Depois de perder todos os seus bens, precisou da ajuda de Libério para escapar da morte e, em sua última cena, viu escravos despejando baldes de dejetos em sua cabeça (imagem no alto).

O Brasil, como se sabe, foi o último país das Américas a abolir a escravidão, em 1888. Este atraso tem impacto muito profundo na formação do país. "Novo Mundo", ambientada entre 1817 e 1822, não apenas fugiu do assunto como terminou apresentando uma visão idílica do problema.

Top 10: O que deu certo, o que faltou e o que não funcionou em "Novo Mundo"

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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