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O Brasil precisa de políticos como Leopoldina, dizem autores de Novo Mundo

Mauricio Stycer

10/07/2017 05h01


Perto de chegar ao capítulo 100, "Novo Mundo" vem cumprindo muito bem a promessa de promover entretenimento com base na história do Brasil. A novela retrata um período pouco explorado pela teledramaturgia, os antecedentes da independência, entre 1817 e 1822, tendo como protagonistas alguns personagens reais e outros criados pelos autores.

Desde o inicio, o folhetim escrito por Thereza Falcão e Alessandro Marson coloca em primeiro plano o papel de Leopoldina nos acontecimentos. Vivida de forma extraordinária por Letícia Colin, a princesa austríaca roubou a cena na novela. E não sem razão, explicam, em entrevista ao UOL: "Leopoldina encarna o ideal de políticos que o país precisa: alguém realmente capaz de governar e com uma visão de interesses mais dignos do povo que lidera".

E acrescentam: "Para nós, uma novela de época só se justifica se for capaz de abordar questões pertinentes aos dias de hoje."

Assinando pela primeira vez como autores principais, Thereza Falcão e Alessandro Marson responderam a diversos questionamentos sobre a novela. Explicaram algumas das "liberdades" que tomaram com a história, defendem o retrato que fizeram de D. Pedro ("um personagem complexo, cheio de contradições"), e contam o que os inspirou: "Queríamos uma história que nos lembrasse dos filmes de aventura dos anos 40, 50."

Veja abaixo, a íntegra da entrevista:

Mais do que uma das protagonistas de "Novo Mundo", acho que Leopoldina é o tema principal da novela. Vocês concordam?
Começamos a novela com a viagem de Leopoldina ao Brasil. É ela quem vem para o Novo Mundo e traz Anna, Joaquim e o público junto dela. Mas, para nós, o tema da novela é heroísmo, essa capacidade de sacrificar o individual em nome do coletivo. Leopoldina faz isso, Joaquim faz isso e por causa disso a vida de Anna vira de pernas para o ar. Pedro, de certa forma, terá que fazer isso também. Nossos protagonistas precisam tomar atitudes heróicas em algum momento da vida deles.

O heroísmo foi o nosso ponto de partida, queríamos contar uma história na qual os personagens se importassem com algo além da própria felicidade e realização. Leopoldina encarna o ideal de políticos que o país precisa: alguém realmente capaz de governar e com uma visão de interesses mais dignos do povo que lidera.

Domitila conhece D. Pedro pouco antes da independência e o romance só ganha peso depois de 1823. Na novela, ela não apenas surge muito antes, como conspira contra os liberais. Por que vocês tomaram uma "liberdade" tão grande com a história oficial?
Pelo que pesquisamos a data em que Pedro e Domitila se conhecem não é tão consensual entre historiadores. A versão de que ela teria sido amante do Chalaça antes de se envolver com Pedro é, inclusive, citada por algumas fontes históricas. Ao fazer nossas pesquisas para a novela fomos descobrindo isso: a história é feita de versões.

De qualquer jeito, a maioria dos historiadores afirma que Domitila e Pedro teriam se envolvido em 1822 mesmo, pouco antes da independência. Antecipamos o encontro entre eles um pouco, alguns meses apenas. Se ela conheceu Pedro em fevereiro, abril ou agosto não nos pareceu tão determinante assim. O fundamental, para se contar uma boa história, é mostrar a essência das pessoas, como elas agem e reagem, como se comportam, como se relacionam com outras pessoas. Acho que conseguimos mostrar a essência da relação entre Pedro e Domitila, pelo menos nossa versão dessa relação.

Utilizamos muitos fatos que aconteceram depois que eles se conheceram. Ainda vão ao ar. As liberdades poéticas que tomamos não invalidam o tamanho da pedra que Domitila foi no sapato de Leopoldina. Ou a maneira como ela "fazia política" em seus saraus, onde vendia facilidades com a conivência de dom Pedro. Ela atentou contra a irmã, Benedita, que teve um filho de Pedro. Enfim, antecipamos estes e outros fatos para o folhetim.

Por conta deste romance com Domitila antes da independência, o retrato que a novela pinta de D. Pedro não o torna um sujeito ainda pior do que foi? Ele aparece na novela não apenas como um mulherengo infiel, mas como pouco interessado pelos grandes problemas do Brasil.

Não. Acho que conseguimos mostrar um Pedro humano. As coisas que ele fez com Leopoldina, se vistas hoje, parecem monstruosas, mas, ao serem contextualizadas, podem ser compreendidas. Ele era um príncipe absolutista do século 19, ele acreditava poder fazer o que bem entendesse. Hoje essa ideia parece meio absurda, mas na época era compartilhada por muita gente. E mesmo assim Pedro convoca a Constituinte, se aproxima dos liberais, entra para a maçonaria, faz a independência do Brasil. Depois vai para Portugal tentar ser rei de lá.

É um personagem complexo, cheio de contradições, epilético, músico, hiperativo, viciado em sexo… Enfim, Pedro é um personagem que não pode ser colocado em um vidro com um rótulo. É isso que faz dele um personagem tão interessante. E esse interesse nos problemas do Brasil aparece e desaparece. Vamos começar agora uma fase na qual ele vai se envolver bastante com as questões políticas. Mas é importante lembrar que se trata de uma novela das seis, uma história romântica, uma aventura, foi isso que nos propusemos a fazer e que estamos fazendo.

Esta alteração acabou, também, prejudicando a história do Chalaça, não?
Desde o início pensamos no Chalaça como alguém que estaria presente no início e no final. Isso porque Joaquim, em certa altura da história, cumpria as funções de primeiro-amigo do príncipe e não seria bom para nós esta duplicidade e nem criar um conflito entre eles. E, na história real, há uma cisão entre Pedro e Chalaça e ninguém sabe ao certo o que os levou a romperem. E isso foi um tempo antes da proclamação da independência. Depois, perto da independência, o Chalaça reaparece na vida de Pedro. Usamos isso a favor da nossa história. Na novela, Chalaça se envolve com Domitila (como é sugerido em alguns relatos históricos), se apaixona por ela e é traído. E em breve ele voltará para a novela, numa grande sequência.

Por que vocês não fizeram uma novela inteiramente baseada nos personagens reais? Não seria mais interessante?
Impossível responder. Só fazendo para saber. Mas não era a história que queríamos. Desde o início, tínhamos Anna e Joaquim como os condutores da nossa história, nossa proposta era que a história de amor deles se misturasse com a história do Brasil e acho que estamos conseguindo fazer isso. O público responde muito bem à novela, temos uma audiência mais do que satisfatória, estamos muito felizes com o resultado e com a resposta do público e dos críticos. Além disso, sempre quisemos trabalhar com o capa e espada, aventura e toques de fábula. Acreditamos que esses elementos são muito bem aceitos nas novelas das seis. Queríamos uma história que nos lembrasse dos filmes de aventura dos anos 40, 50.

Um aspecto que os historiadores sempre mencionam é o da variedade de intrigas dentro do palácio real e da Corte. Vocês não quiseram se aventurar muito por ai?
Optamos por um elenco mais enxuto, trabalhamos com poucos núcleos. Para desenvolver bem esse tipo de história seria necessário um elenco mais numeroso, mais personagens e isso, para nós, não seria produtivo. Além do mais, acreditamos que o interesse do nosso público é mais focado nas emoções, em história de amor. Queríamos fazer e estamos fazendo uma novela no estilo capa-e-espada, uma aventura romântica.

Este convívio entre os personagens históricos e os inventados pela ficção não dificulta o desenvolvimento da trama?
Não, de jeito nenhum. Aqui é importante lembrar que esse tipo de narrativa é bastante comum. De Shakespeare a Jô Soares, passando por um incontável número de filmes, livros, peças de teatro, o recurso de misturar a história real com uma ficção é amplamente utilizado. Há uma passagem histórica real, que usamos na novela, que é quando Pedro convida José Bonifácio para ser seu ministro e, a princípio, José Bonifácio recusa. Depois, tem uma conversa a portas fechadas com Pedro e muda de ideia. O que eles conversaram, ninguém sabe. Nós colocamos a interferência do nosso herói, Joaquim, foi ele que convenceu Bonifácio a aceitar o cargo. Com isso, relatamos um fato histórico real e o justificamos com a ficção. Achamos que isso é muito produtivo e é algo que é instigante para nós.

Qual a razão desta aposta no núcleo dos índios? Não parece se comunicar com o resto da novela.
Para nós, os índios são fundamentais e estão integrados à novela sim. Um dos momentos mais lembrados pelo público e um dos nossos recordes de audiência foi quando os índios chegaram ao Rio de Janeiro. E, coincidentemente, foi no mesmo dia em que um grupo de índios chegou a Brasília. Esse tipo de paralelo nos interessa e nos surpreende bastante. Para nós, uma novela de época só se justifica se for capaz de abordar questões pertinentes aos dias de hoje. Novela é também factual, é escrita enquanto é exibida, tem que dialogar com o que acontece do outro lado da tela.

Com o núcleo dos índios conseguimos abordar temas contemporâneos, como direitos iguais entre homens e mulheres e até questões mais universais, como os imigrantes e refugiados – Piatã é uma pessoa que foi tirada de seu povo original e não consegue encontrar seu lugar no mundo. A aldeia também é o lugar para onde Anna e Joaquim fogem, lá eles estão seguros e felizes. Nos próximos capítulos, o núcleo dos índios volta a ter importância fundamental para a trama principal, a história de Anna e Joaquim. Vamos fazendo assim, em alguns momentos eles desenvolvem histórias próprias em outros se ligam à trama principal. Isso dá dinâmica à novela. E ainda estamos na metade, há muitos capítulos pela frente.

Por que os atores do núcleo de índios, em especial os protagonistas , são todos brancos? Não há atores índios?
O elenco da novela, assim como em qualquer produção da Globo, não é escolhido por sua raça, classe social ou religião que pratica e sim pelas necessidades da nossa história e o potencial artístico de cada ator.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.