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O que explica o sucesso de uma novela boba e com cara velha como Pega Pega

Mauricio Stycer

03/07/2017 15h41


Quatro semanas após a estreia, "Pega Pega" apresenta dois desafios principais ao crítico de televisão. 1. Como explicar a boa audiência de uma história tão sem graça? 2. Por que a aposta da Globo em uma novela com cara tão velha?

O horário das 19h da Globo se consolidou como o espaço dedicado às "comédias leves", mas dentro deste rótulo já foi possível ver todo tipo de novela. Limitando a análise a esta década, já assistimos tanto a ousadias bem-sucedidas ("Cheias de Charme") quanto a experiências fracassadas ("Além do Horizonte", "Geração Brasil"). Houve remakes originais ("Ti-Ti-Ti") e remakes sem sentido algum ("Guerra dos Sexos"). Histórias com ambição de dizer algo ("I Love Paraisópolis", "Rock Story", "Sangue Bom") e outras com aposta na fantasia adolescente ("Totalmente Demais").

"Pega Pega", a julgar pelos seus primeiros 24 capítulos, parece se enquadrar em outra categoria – a das novelas mais infantis, que não exigem nada do espectador e cujo propósito principal é fazer o tempo passar. Coloco nesta prateleira títulos como "Haja Coração" e "Alto Astral".

Da mesma forma que o remake de "Sassaricando" e a trama que tratou de espiritismo como filme da Disney, "Pega Pega" se passa nos dias atuais, mas lembra um passado indefinido. Tudo parece velho tanto no hotel onde a história se desenvolve quanto na vila que abriga um bom número de personagens e subtramas.

Apesar do realismo aparente e do tom sóbrio da direção, que não deixa a trama enveredar para o escracho, só uma criança pequena é capaz de acreditar nas situações propostas. Tudo é muito bobo, a começar da ação central, o assalto aos US$ 40 milhões, feito de forma amadora e cujos desdobramentos são totalmente sem pé na realidade.

Este descompasso cria uma enorme dificuldade para os atores. Como compor tipos sem pé nem cabeça em uma trama aparentemente séria? E não estou nem falando do desafio encarado por Valentina Herszage, cuja Bebeth conversa com um canguru de pelúcia.

Os que têm aparecido mais são os que já mergulharam na galhofa, como Marcos Caruso (Pedrinho), Nanda Costa (Sandra Helena), João Baldasserini (Agnaldo), Mariana Santos (Maria Pia), Guilherme Weber (Douglas), Nicette Bruno (Elza) e Cristina Pereira (Prazeres). Em tom mais contido, bons atores como Mateus Solano (Eric), Vanessa Giácomo (Antonia) e Thiago Martins (Julio), lutam em defesa de personagens que não se sustentam em pé.

Camila Queiroz (Luíza) parece ser quem está sofrendo mais em "Pega Pega". Depois de dois ótimos papéis, a Angel de "Verdades Secretas" e a Mafalda de "Êta Mundo Bom", ambas caipiras inocentes, a atriz ainda não achou o tom correto para viver a mocinha da história das 19h. Mas não a recrimino – a novela de Claudia Souto não é fácil para os atores.

Os números de audiência, como disse, mostram que o público está recebendo bem a novela. É um sinal de que tramas infantis não afugentam o espectador. Ao contrário. "Haja Coração" e "Alto Astral" foram igualmente grandes sucessos com uma receita muito parecida.

A opinião do crítico, como se sabe, importa pouco ou nada. Com média perto de 28 pontos em São Paulo, "Pega Pega" tem tudo para entrar para a galeria das novelas bem-sucedidas da Globo no horário neste século 21. E é isso que interessa.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.