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Erro da Globo na cobertura das Diretas vira tema de “Os Dias Eram Assim”

Mauricio Stycer

13/06/2017 05h01


Ambientada inicialmente em 1970, "Os Dias Eram Assim" já registrou algumas passagens de tempo até chegar, na atual fase, ao importante ano de 1984. O pano de fundo político, que acompanha a trama, agora mostra a campanha por eleições diretas para presidente da República.

No capítulo de segunda-feira (12), os personagens Gustavo (Gabriel Leone) e Cátia (Barbara Reis) fizeram menção a um comício que ainda irá ocorrer no Rio. Trata-se de uma referência a um evento histórico, realizado na Candelária, em 10 de abril, com a presença estimada de 1 milhão de pessoas.

Quando os dois falaram sobre este assunto, "Os Dias Eram Assim" mostrou cenas de um outro evento histórico, o comício na Praça da Sé, em São Paulo, ocorrido em 25 de janeiro. Para ilustrar, foram usadas imagens do "Jornal Nacional" daquele dia, mas de uma forma que omitiu o grande erro cometido na ocasião.

O "JN" do dia 25 de janeiro de 1984 confundiu os espectadores deliberadamente. O apresentador Marcos Hummel anunciou o assunto desta forma: "Um dia de festa em São Paulo. A cidade comemorou seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé." Na sequência, por 60 segundos, o repórter Ernesto Paglia falou de algumas comemorações ocorridas na cidade, até que, finalmente, no último minuto da reportagem, descreveu o comício na Sé. A reportagem completa pode ser vista aqui.

O breve clipe em "Os Dias Eram Assim" começou justamente com a descrição de Paglia: "Mais à tarde, milhares de pessoas vieram ao centro de São Paulo para, na Praça da Sé, se reunir num comício que pediu eleições diretas para presidente". E, na sequência, mostrou imagens do comício.

A novela poderia ter simplesmente ignorado o "JN" daquele dia e apenas exibido cenas do comício, para situar o espectador. Seria uma opção. Mas, se havia a intenção de fazer uma reconstituição histórica, deveria ter mostrado um trecho maior do telejornal, que desse uma ideia do erro cometido – um dos mais marcantes da emissora.

O mais curioso é que a própria Globo já reconheceu ter errado naquela edição do "JN". Em uma série realizada pelo telejornal para comemorar os 50 anos da emissora, em 2015, William Bonner se referiu ao assunto.

"Essa reportagem provocou muita polêmica ao longo de muitos anos porque, embora ela falasse do comício das Diretas, o texto que introduzia a reportagem, lido pelo apresentador na época, não falava em comício pelas Diretas", disse Bonner.

"Isso aí foi visto durante muitos anos como uma tentativa da Globo de esconder as Diretas e, obviamente, depois de muitos anos também, foi reconhecido como um erro", completou Bonner, antes de convidar o espectador a visitar o site Memória Globo, onde há uma descrição do caso e uma série de depoimentos sobre a decisão de minimizar a campanha das Diretas.

Crítica indireta à Globo

No capítulo seguinte, na terça-feira (13), a questão da cobertura do comício da Sé voltou a ser tema de "Os Dias Eram Assim". Uma cena mostrou o personagem Gustavo distribuindo panfletos convocando para o comício da Candelária.

Durante a panfletagem, Rimena (Maria Casadevall) encontra o cunhado e elogia o seu empenho. O rapaz justifica o esforço como uma necessidade de informar as pessoas sobre o ato. "Você não para, hein. Seus panfletos estão pelo bairro todo", diz Rimena. "A gente tem que divulgar. Os caras não falam nada e quando falam chamam o comício de festa", responde Gustavo.

Foi, claro, uma observação crítica em relação justamente à reportagem do "Jornal Nacional" de 25 de janeiro de 1984. Mas, sem menção à Globo, poucos espectadores devem ter entendido.

Em tempo: Este texto foi publicado originalmente com o título "Série histórica mostra JN do comício da Sé em 1984, mas omite erro da Globo". Era um comentário sobre o capítulo de segunda-feira (12). Depois do episódio de terça, atualizei o texto e troquei o título.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.