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Bial mostra a que veio, mas peca por entrevista desatualizada na estreia

Mauricio Stycer

03/05/2017 01h21

Como o próprio apresentador sugeriu antes da estreia, um talk show diário, com ambição de longo alcance, não pode ser julgado pelo primeiro episódio. Como outros programas do gênero, é preciso dar tempo para "Conversa com Bial" ganhar corpo e se moldar.

Em todo caso, pelo que se viu já na madrugada de quarta-feira (03), o "late night" comandado por Pedro Bial tem tudo para ser uma alternativa de qualidade aos fãs de talk shows "de raiz" – muita conversa, pouca música e nenhuma piada gratuita.

De blazer, sem gravata e tênis brancos, Bial abriu o programa sem fazer qualquer introdução, já apresentando a convidada da estreia – a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal.

Apesar de uma breve hesitação no início, quando usou duas formas diferentes de tratamento, uma mais formal ("senhora") e outra informal ("você"), acabou optando por chamar a presidente do Supremo do jeito coloquial que Jô Soares adotou para todos os convidados em seu talk show – o "você".

O timing da entrevista, lamentavelmente, acabou não sendo feliz. Gravada previamente, não teve como trazer à baila a notícia do dia – a decisão da 2ª Turma do STF de revogar uma ordem de prisão do juiz Sergio Moro e determinar a libertação do ex-ministro José Dirceu.

Sem falar do assunto e, pior, mencionando que Dirceu seguia preso por ordem da Justiça, a conversa com Cármen Lúcia perdeu temperatura e tirou o impacto da estreia de Bial. Uma mensagem na tela avisou: "Programa gravado em 01/05/17". O ideal teria sido informar, por meio de legenda, a própria notícia do dia.

Por outro lado, foi um bom exemplo do que esperar do talk show – uma conversa agradável e simpática. Estimulada por Bial, a ministra fez a louvação da mineiridade, falou sobre Guimarães Rosa, descreveu conversas suas com taxistas, defendeu a atuação do STF e prometeu que dias melhores virão. "Não sabemos quando nem onde tudo isso vai parar, mas eu espero que seja num país melhor. O povo não quer mais isso (corrupção)".

Foi, de certa forma, também, uma apresentação da ministra Cármen Lúcia – mais de uma vez citada como eventual alternativa à presidência da República – ao grande público. O programa contou com uma participação especial da atriz Fernanda Torres, que havia entrevistado a juíza em 2016 para um programa do GNT e ajudou Bial a debater com ela.

Referências
Desconfio que Bial não assistiu por longos períodos aos talk shows de Johny Carson e Dick Cavett, que viveram o apogeu de suas carreiras entre as décadas de 60 e 80. Mas ao citá-los, em entrevista ao UOL, como referências para o seu programa, está dando um recado.

Carson e Cavett, bem como Jô Soares, também mencionado na entrevista à editora Mirella Nascimento, representam a velha guarda do talk show, uma turma que nunca negligenciou o entretenimento, mas sempre acreditou em mais talk do que show. É o oposto do que expressam os seus concorrentes diretos, Danilo Gentili e Fábio Porchat, bem como outros candidatos ao cargo, como Marcelo Adnet e Tatá Werneck — todos eles despreocupados com a relevância de seus programas de entrevistas.

No terreno das coincidências
Alguma energia misteriosa aproxima "Conversa com Bial" de "Conversa com Roseann Kennedy". Lançado em março pela TV Brasil, o talk show apresenta toda segunda-feira entrevista com alguma personalidade do mundo político, econômico ou cultural.

A primeira aproximação entre os dois ocorreu em 13 de abril, quando foi apresentada ao público a identidade visual criada para o talk show de Bial. Constatou-se, então, que era muito parecida, quase idêntica, à do programa de Roseann. Depois de o caso ser noticiado por este blog, a Globo encomendou uma nova logo, que foi mostrada em 21 de abril. A emissora disse que tudo não passou de "uma grande coincidência".

Outra coincidência não foi evitada. A personalidade escolhida para a estreia de "Conversa com Bial", ministra Cármen Lúcia, também abrilhantou a estreia, há dois meses, do talk show de Roseann. Na ocasião, ela falou sobre a sua rotina no cargo, fez observações sobre a situação do país, criticou a desigualdade de oportunidades entre homens e mulheres e defendeu a atuação do STF.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.