Em “Minha Estupidez”, Fernanda Torres procura suprir a “nossa estupidez”
Depois de ter mentido por alguns anos, dizendo que havia lido "Viva o Povo Brasileiro", Fernanda Torres encontrou um bom pretexto, em 2008, para enfrentar o catatau de 672 páginas: entrevistar o seu autor, o escritor João Ubaldo Ribeiro, para um novo programa, que ela própria idealizou.
A entrevista, na qual Ubaldo fala com bom humor sobre a sua sólida formação cultural, é a âncora do primeiro episódio de "Minha Estupidez". O programa se completa com a encenação, debochada, de trechos do romance que tratam do apetite do "caboco" Capiroba (Evandro Mesquita), um canibal que fugiu dos jesuítas e voltou a se alimentar com o que mais apreciava – homens e mulheres brancos.
Ainda que tenha resultado muito boa, a entrevista não foi o suficiente para Fernanda Torres conseguir viabilizar o programa. Oito anos se passaram, e João Ubaldo (1941-2014) já havia morrido, quando, finalmente, a produção da Conspiração ganhou sinal verde.
O piloto com Ubaldo vai ao ar nesta segunda-feira, às 23h, no canal pago GNT. Com direção de Mini Kerti, foram realizados mais quatro episódios – com o cientista Antonio Nobre, a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, a ministra do STF Carmem Lucia e o cantor e compositor Caetano Veloso.
Assisti aos primeiros três episódios. No segundo, a alarmante conversa com Nobre, sobre desmatamento e aquecimento do planeta, é acompanhada pela encenação de trecho de "O Inimigo do Povo", do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906). E durante o terceiro, a entrevista com Cunha sobre a difícil situação dos índios brasileiros, é apresentado o mito da origem do homem branco segundo o povo Timbira, da tribo Kanela.
Em um texto enviado para jornalistas, a atriz escreveu sobre "Minha Estupidez": "Eu me valho da minha ignorância, da curiosidade onívora e de uma certa franqueza, que me leva a admitir, em público, que não sei o que é solipsismo, nem quem são Melpomene e Thalia, além de confessar que passei três anos mentindo que havia lido 'Viva o Povo Brasileiro'."
A primeira cena de "Minha Estupidez" mostra Fernanda Torres diante de uma pequena estante que herdou do avô. Ela diz: "Esse programa nasceu desta estante aqui, de perceber que, por mais que eu tenha lido e amado os livros que eu li, eles se reduzem a isso aqui. Ou seja, nada perto do que existe pra se ler, se conhecer. Essa estante, de certa maneira, mede o tamanho da minha estupidez."
Ela está sendo, obviamente, modesta. "Minha Estupidez", na verdade, tem o desejo de suprir a "nossa estupidez" com conteúdo de bom nível. Nem sempre o resultado é de fácil consumo e, em alguns momentos, chega a ser maçante. Mas é uma proposta que merece atenção por esta ambição, quase incomum na TV brasileira, de oferecer um tipo entretenimento mais encorpado, sem apelação ou vulgaridade.
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