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Tostão, o sábio, dá uma aula de futebol e de vida em novo livro

Mauricio Stycer

12/11/2016 13h44

tostaocapalivroComo hoje é sábado, desligo a televisão e dou uma dica de leitura para quem gosta de futebol: "Tempos Vividos, Sonhados e Perdidos – Um olhar sobre o futebol", de Tostão.

O livro confirma que Tostão é um sábio no sentido mais amplo do termo. Conhecedor profundo do futebol, tem consciência de que as suas dúvidas são tão importantes quanto as certezas. É sincero nas críticas, não está preocupado em agradar ninguém, mas não se julga dono da verdade.

Ao falar de si mesmo, adota a mesma perspectiva. Sabe que foi um grande em campo, mas não tão bom quanto outros gênios com quem conviveu ou viu jogar. Sem falsa modéstia, entende que o acaso teve um peso fundamental tanto em sua carreira quanto na vida – como costuma ocorrer com todo mundo. "Muitas coisas, no futebol e na vida, não enxergamos, mas deduzimos", escreve ele.

"Tempos Vividos, Sonhados e Perdidos" fala de Tostão e do futebol ao longo de 60 anos, divididos em três partes, cada uma compreendendo um período de cerca de 20 anos.

As primeiras duas décadas são as que tratam da trajetória do atacante do Cruzeiro, convocado, aos 19 anos, para a Copa do Mundo de 1966. O descolamento da retina, em 1969. O apoio do comunista João Saldanha ("até hoje não sei se Saldanha gostava mais de meu futebol ou de meu comportamento"). O elogio a Zagallo, o estrategista ("A seleção de 70 foi programada para jogar no estilo do Botafogo").

E a análise, detalhada, de cada jogo e cada jogador daquela seleção. "Foi uma grande seleção, considerada por muitos a melhor de toda a história, mas não era uma equipe perfeita. A perfeição não existe."

tostaomedicoO segundo período do livro começa com o segundo descolamento da retina, quando já jogava no Vasco, e a decisão de encerrar a carreira precocemente, aos 26 anos. Segue um relato sobre um período que Tostão costuma falar pouco – o tempo em que Eduardo Gonçalves de Andrade (à dir. na foto) estudou medicina, se formou, foi professor e trabalhou em um hospital público.

Sem tirar o futebol de seu radar, o médico analisa o desempenho da seleção brasileira entre as Copas de 1974 e 90, com especial carinho, naturalmente, pela de 82 – "o operatório Dunga fica com raiva e não compreende como uma seleção que perdeu pode ser mais elogiada que a de 1994, que venceu. Ele nunca vai entender".

A partir de 1994, quando aceita um convite de Luciano do Valle para integrar a equipe da Band na Copa, Tostão dá início à terceira fase de sua vida, a de analista esportivo. Em 97, larga a medicina definitivamente. "Descobri que ainda adorava futebol e que ganharia umas vinte vezes mais do que recebia como professor da Faculdade de Ciências Médicas, em tempo integral".

Nesta função, o craque atuou primeiro em TV (Band, ESPN) e, a partir de 1999, somente em jornais (atualmente é colunista da "Folha"). "Sou um colunista que tenta escrever de uma maneira concisa, clara e direta. Quando jogava, também era conciso".

Quem acompanhou Tostão nestes últimos 15 anos já sabe o que ele pensa dos dirigentes, treinadores e jogadores do futebol brasileiro. Mas é sempre bom reler suas análises precisas e pontuais – seja quando observa a breguice do apartamento de Vanderlei Luxemburgo, a prepotência de Zagallo em 1998 ou a genialidade de jogadores como Romário e Alex, entre muitos outros.

O próprio jornalismo esportivo é tema das reflexões de Tostão. Ele entende, corretamente, que para ser totalmente independente deve se manter distante do objeto de suas críticas, no caso, treinadores e jogadores. Também se espanta com a velocidade dos tempos atuais, que obriga jornalistas a digitar e olhar mais para o computador do que para o gramado.

Quem leu o primeiro livro de Tostão, "Lembranças, Opiniões, Reflexões sobre Futebol", publicado em 1997, vai notar que ele retoma várias histórias já descritas. Mas isso não torna "Tempos Vividos, Sonhados e Perdidos" (Companhia das Letras, 198 págs., R$ 39,90) menos importante. É uma aula de futebol e de vida.

A imagem de Tostão na faculdade foi reproduzida do livro.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.