Topo

Três equívocos comuns sobre o papel do crítico de televisão

Mauricio Stycer

26/07/2016 12h16

Mais que os elogios, as reações negativas ao que escrevo me ajudam a entender como o meu trabalho é percebido e sentido. Se um número significativo de leitores diverge de um mesmo texto ou de um argumento que usei, isso me faz pensar se estou, eventualmente, me comunicando mal ou simplesmente vendo errado.

Também acho informativo ver como reagem os objetos das minhas críticas. Alguns textos provocam diálogos interessantes, uns poucos geram ofensas, públicas ou privadas, e outros mostram como o trabalho do crítico é enxergado pelo "outro lado".

Nesta última categoria, cito em meu livro, "Adeus, controle remoto", duas visões altamente equivocadas – e justamente por isso muito interessantes.

A primeira foi do autor de uma série que considerei "constrangedora", que me enviou um email dizendo que "constrangedor é um homem de 50 anos ganhar a vida comentando programas de TV". Ou seja, para ele, a crítica não passa de um trabalho menor, que deveria ser exercido por pessoas mais jovens, inexperientes.

Outra reação ilustrativa foi de Walcyr Carrasco, à época de "Amor à Vida" (2013-14). Ao divergir de uma crítica minha à novela, ele escreveu no Twitter: "Falar mal faz parte do seu contrato". Ou seja, a minha crítica, na visão do autor, era propositalmente negativa.

andrehenning2Esta semana, me dei conta de que um terceiro argumento, típico de fã-clube, também é reproduzido por quem está na linha de frente da televisão. É o famoso "quem sabe faz, quem não sabe critica". Ele foi lembrado por André Henning, narrador do canal Esporte Interativo.

Irritado com duas críticas minhas – uma ao seu trabalho, outra ao "Jornal Nacional" – ele escreveu no Twitter: "O que mais me espanta é como ainda não convidaram o gênio da crítica para ser diretor geral de uma TV tipo BBC, CNN e tal… Curioso."

Por trás da ironia do narrador, esconde-se a visão de que o trabalho do crítico seria apenas o de servir como trampolim para outros ofícios. É uma observação tão boba, que não deveria merecer a minha atenção. Mas, uma vez que foi dita por um formador de opinião, acho que deve ser iluminada.

Ainda que não mereça o respeito de Henning, a crítica de TV é um ofício, como o de narrador. No meu caso, especificamente, não apenas é um ofício que adoro realizar, como é um fim em si mesmo. E acredito que, se bem feito, pode até contribuir para aperfeiçoar o trabalho alheio.

Veja também
Dos grandes narradores que admiro, nenhum grita
Série olímpica do JN expõe cinco pecados do jornalismo esportivo "fofo"

Siga o blog no Facebook e no Twitter.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.