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Essencial em “Velho Chico”, padre Romão mostrou o enorme talento de Magnani

Mauricio Stycer

27/04/2016 12h08

No retorno ao universo rural, depois de anos de novelas entre o Rio e São Paulo, "Velho Chico" recolocou em cena, em lugar de destaque, um personagem que andava em baixa na teledramaturgia: o padre.

Seguidor de São Francisco de Assis, Romão (Umberto Magnani) buscava ser o moderador em uma região onde coronéis sempre fizeram o papel do Estado. Ele
não era um "padre de passeata", para usar um termo irônico cunhado por Nelson Rodrigues (1912-1980), mas não era servil aos poderosos.

Magnani deu cara a este homem calmo e bom, que buscava permanecer íntegro e respeitado diante da paróquia submetida ao poder do coronel Afrânio (Rodrigo Santoro/AntônioFagundes).

Como escrevi na Folha, no início de abril, uma cena simbólica, na primeira fase de "Velho Chico", mostrou a importância do padre e o enorme talento de Magnani.

Romão ofereceu a Eulália (Fabíula Nascimento), uma rara proprietária de terras não obediente ao coronel, a honra de indicar duas crianças para viverem São José e Nossa Senhora numa procissão.

Em seguida, Encarnação (Selma Egrei), mãe do coronel, apareceu em cena para entregar sua contribuição ao evento. Ela tirou da bolsa três maços de notas e disse: "Uma quantia bem gorda dessa vez, que é para o padre cuidar bem dos seus pobres". Romão respondeu: "Não sei como agradecer". E ela: "Agradeça dando o lugar de Nossa Senhora na procissão para minha neta".

Chocado, o padre pegou o dinheiro e o deixou perto da mulher. "Ela é muito nova ainda", tentou. "Ou minha neta sai de Nossa Senhora ou não ponho mais os pés na sua igreja", concluiu Encarnação.

Eulália reapareceu e encontrou o padre transtornado. Apontando o dinheiro, ele disse: "Veio negociar o lugar de Nossa Senhora na minha procissão". E ela, segurando o dinheiro, respondeu: "Pelo bem de nossos pobres, não me importo". Em nome da conciliação – e do dinheiro – o padre se deixou convencer.

Não à toa, a Globo anunciou, assim que soube da gravidade do estado de saúde de Magnani, que o personagem seria substituído por outro padre, Benício (Carlos Vereza), seguidor da mesma filosofia religiosa. Como disse Vereza ao UOL, o espetáculo não pode parar.

Este Brasil católico, mostrado em "Velho Chico", é um dos elementos essenciais da trama. Ator talentoso, com uma longa carreira, morto nesta quarta-feira (27), Magnani deixou como última imagem este padre sensível e emotivo.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

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