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“Dez Mandamentos": filme desnuda as falhas e os exageros da novela

Mauricio Stycer

29/01/2016 05h01

DezMandamentosFilmeEra de se esperar, no processo de transformar uma novela de 176 capítulos em um filme de 120 minutos, que muita coisa marcante ficasse de fora. O que mais chama a atenção em "Os Dez Mandamentos", no entanto, é que ele se livrou de tudo que fez a fama do folhetim bíblico. E acho que isso fez bem para o longa-metragem.

Todas as tramas paralelas, os amores impossíveis, os dramas terríveis, os três grandes vilões, enfim, as invenções mais rocambolescas de Vivian de Oliveira se tornaram acessórias ou simplesmente sumiram no filme.

Nefertari (Camila Rodrigues), que passou nove meses com o coração dividido entre Ramsés (Sérgio Marone) e Moisés (Guilherme Winter), mal abre a boca na tela grande. Sua mãe, Yunet (Adriana Garambone), uma das vilãs mais implacáveis da teledramaturgia brasileira, quiçá mundial, só comete uma pequena vilania no filme.

O capataz Apuki (Heitor Martinez), que passou a novela espancando a mulher, oprimindo a filha e chicoteando os escravos, só tem importância na cena da adoração ao bezerro. O hebreu traíra Corá (Vitor Hugo), que entre outros absurdos roubou o cajado de Moisés, passa as duas horas no cinema praticamente calado.

O filme também sumiu com todas as histórias de amor impossíveis, em especial a de Oséias (Sidney Sampaio) e Ana (Tammy Di Calafiori). E a da princesa Henutmire (Vera Zimmerman) e o joalheiro hebreu Hur (Floriano Peixoto).

Todo o núcleo de Meketre (Luciano Szafir) e Tais (Babi Xavier) simplesmente desapareceu (nesse caso, duvido que alguém reclame). Por outro lado, o ótimo sacerdote Paser (Giuseppe Oristânio) e seu hilário assistente Simut (Renato Livera) mal dão as caras.

O terrível drama da hebréia que foi obrigada a se prostituir na casa de Senet não é mencionado. Assim como também é ignorada a saga do casal formado por Uri (Rafael Sardão) e Leila (Juliana Didone), divididos em relação a fé e o amor. Bem como todas as histórias de Zipora (Gisele Itiê) e suas irmãs, em especial a da que se apaixona por Moises e vira prostituta.

dezmandamentospragasramsesOs 50 intermináveis capítulos dedicados às dez pragas do Egito viraram 20 minutos de filme – e você não faz ideia de como ficou mais legal.

Você deve estar se perguntando: o que sobrou? Bem, o filme se limita a relatar as histórias bíblicas conhecidas por qualquer leitor do Velho Testamento. Nada muito além disso. Para quem assistiu a novela, o mais bacana é ver as cenas de maior impacto na tela grande – a diferença é notável.

A história de Vivian Oliveira, porém, não foi pensada originalmente para o cinema e isso acarreta um outro problema. Ao excluir todo o recheio que a autora inventou, muitos fios ficam soltos, difíceis de entender. Para resolver isso, Josué (ex-Oseias) surge como o narrador da história, num tom que lembra professor de história do primário.

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Nos últimos dez minutos, o filme avança na trama, mostrando uns poucos episódios que a novela não exibiu. Serão seguramente vistos na chamada "segunda temporada" de "Os Dez Mandamentos", que a Record ainda não definiu quando vai estrear.

Quem não assistiu a novela vai se surpreender, talvez, com o tom de pregação religiosa de Moisés e seus familiares – uma característica marcante do folhetim bíblico da emissora. Mas, tirando isso, não vai se aborrecer muito com o filme.

As duas horas correm rápido e, nos momentos épicos mais conhecidos (as pragas, a abertura do Mar Vermelho, a entrega das tábuas por Deus), não fica devendo muita coisa a outros filmes do gênero.

Em tempo: Prepare-se. Na sessão em que vi "Os Dez Mandamentos" fui obrigado a assistir a trailers de quatro filmes com temática bíblica e/ou mística que vão estrear nos próximos meses. A saber: "Ressurreição", com Joseph Fiennes, "Deuses do Egito", com Gerard Butler, "Deus Não Está Morto 2" e "O Jovem Messias". Sai de baixo.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

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