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Ingenuidade de Tóia faz a novela andar, mas quem aguenta tanta burrice?

Mauricio Stycer

29/12/2015 05h01

regradojogotoia Um dos tipos clássicos do folhetim é a heroína ingênua. Bonita, esforçada, bem intencionada, mas incapaz de enxergar o que ocorre ao seu redor, ela sempre vive uma saga interminável de sofrimento e enganações. Torcemos por ela, mas sabemos que a sua redenção só ocorrerá no final história, quando então descobrirá toda a verdade e poderá ser feliz com o seu príncipe encantado.

Tóia (Vanessa Giácomo) é a heroína ingênua de "A Regra do Jogo". Já no primeiro capítulo ela foi presa. Roubou R$ 28 mil da chefe e amiga Adisabeba (Susana Vieira) para poder pagar um médico que iria fazer uma cirurgia de emergência em sua mãe adotiva, Djanira (Cassia Kis). O médico, na verdade, era um golpista, que sumiu com o dinheiro.

Tóia tem um passado. É filha de um cientista, assassinado dentro de um ônibus quando ela era criança. O crime foi orquestrado por uma organização criminosa, para roubar a fórmula de um remédio para hipertensão, que ele descobriu. Com direitos sobre a exploração deste medicamento, a mocinha é milionária, mas não sabe.

Como toda heroína ingênua, Tóia tem um ou outro momento de sabedoria ou "instinto". Desde o início da história, ela nunca foi com a cara de Zé Maria (Tony Ramos), pai do seu amado Juliano (Cauã Reymond) e namorado de sua mãe. Um belo dia, baixou o espírito de investigador policial na moça e ela seguiu Zé Maria, descobrindo que ele estava longe de ser o pobre coitado que aparentava.

Apenas com a ajuda de Iraque (Danilo Ferreira), o moto-taxista da favela, Tóia conseguiu ser mais esperta que todos os policiais da novela e localizou o esconderijo de um dos bandidos mais perigosos da trama.

Superado este lampejo de inteligência, Tóia voltou a ser a ingênua de sempre. Deixou-se enredar pela conversa de Romero (Alexandre Nero) e se separou do "príncipe" Juliano.

Já há alguns meses, a rotina se repete. Romero conta uma nova mentira para Tóia, que acredita em tudo sem desconfiar de nada. Perseguida pela Facção, sem saber por quê, ela já escapou da morte algumas vezes, mas continua sem procurar a polícia. Faz tudo que ele pede, sem saber que se trata de um criminoso da mesma Facção.

Para piorar, o principal policial da trama, Dante (Marco Pigossi), é filho de Romero e, como Tóia, igualmente ingênuo. Ignorante a respeito de regras elementares sobre investigação, ele conta todos os segredos que sabe para o pai, que o trai desde o primeiro capítulo.

Por mais irritante que seja, a burrice da personagem é essencial para fazer a trama de "A Regra do Jogo" avançar. Se fosse em um seriado policial de 20 episódios, por exemplo, a ingenuidade de Tóia não iria incomodar tanto quanto numa novela de mais de 150 capítulos.

Em uma entrevista à "Folha", antes da estreia, João Emanuel Carneiro prometeu: "As minhas novelas têm a volta para uma estrutura de narrativa mais antiga, mas com personagens contraditórios. Inovar não tem que ser uma preocupação. A novela é quase um serviço público, pertence a quem vê. Você passa a fazer sucesso quando começa a se conectar com as pessoas, e não fazer o que elas esperam."

Neste mesma entrevista, ele também falou: "O público é mais inteligente do que a gente imagina. Menosprezá-lo é o maior erro. É como uma criança: se você leva-la ao Museu do Prado, ela vai adorar aquelas pinturas. Se só leva ao parque de diversão, só vai conhecer aquilo."

Segundo spoilers já divulgados, devemos esperar por uma mudança no comportamento estúpido de Tóia. A questão é saber se o público hoje, com mais acesso a histórias em outros formatos, como seriados, ainda tem paciência para aguentar uma saga tão longa quanto a da heroína ingênua de "A Regra do Jogo".

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.