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Revista feminina comum, “É de Casa” depende da química dos apresentadores

Mauricio Stycer

15/08/2015 11h59

A estreia de "Encontro com Fátima Bernardes", em junho de 2012, representou uma importante mudança na estratégia de programação da Globo. Com mais de duas horas, a atração dedicada ao público feminino adulto ocupou o lugar que por anos era consagrado às crianças.

O "TV Globinho", na grade desde 2000, deixou de ser exibido de segunda a sexta e permaneceu na programação aos sábados. Há uma semana, com a estreia de "É de Casa", a emissora abriu mão definitivamente de sua atração infantil.

As razões para esta guinada são conhecidas – e a Globo não está sozinha nesta. As limitações legais à publicidade infantil transformaram os departamentos comerciais das emissoras da TV aberta em inimigos de programas destinados a este público (um levantamento recente da "Folha" mostra que a redução da programação infantil atinge todas as emissoras; veja aqui).

Esta é a lógica que levou a Globo a envolver seis conhecidos apresentadores, além das equipes de dois programas, o próprio "Encontro" e o "Mais Você", para desenvolver uma "revista" nas manhãs de sábado. Ainda que tenha sido anunciado como "para a família", o alvo mais claro tem sido, até agora, o público feminino .

A cada semana, quatro dos seis apresentadores vão participar do programa. Neste sábado (15) foram Ana Furtado, Patricia Poeta, Tiago Leifert e Zeca Camargo — Cissa Guimarães e André Marques (este no "Criança Esperança") ficaram fora da casa.

A julgar pelos temas apresentados nos dois primeiros episódios, "É de Casa" busca agradar às fãs dos três programas matinais diários (incluo na lista o "Bem Estar" também). É uma tarefa complexa, ainda mais em uma atração ao vivo, com duração de três horas.

O cardápio do programa deste sábado dá uma boa ideia da ambição da nova atração: comentários sobre notícias leves da semana, muitas dicas de "como fazer" coisas em casa, uma aula didática sobre aplicativos usados para encontros (sem citar o nome de nenhum), uma reportagem sobre passeadores de cachorro, outra sobre grafiteiros, lições sobre como seduzir as crianças com refeições atraentes, entrevistas com Renato Aragão e Grazi Massafera e a "história de superação" de um ex-viciado em crack.

Nada de crise política ou chacina em São Paulo. O "É de Casa" esta semana falou sobre o preço da cebola (tema tratado por Ana Maria Braga há cinco dias), a separação de Ben Affleck e Jennifer Garner por causa da babá e o motorista que errou a manobra na garagem e ficou com o carro pendurado para fora do prédio.

O foco na prestação de serviços ficou mais evidente no segundo episódio. Primeiro, Tiago e Ana ensinaram o espectador a fazer pinturas caseiras de capa do celular e em bandejas. Depois, Patricia ensinou a fazer vela de citronela caseira. E Ana mostrou como lavar o carro usando um copo de água (e um produto não citado).

Decidida a extinguir a sua programação infantil, o que a Globo poderia colocar no lugar nas manhãs de sábado? Acho que esta é a questão principal. Mais um programa de auditório? Filmes? Reprises?

Acho elogiável o esforço de desenvolver um novo programa, com foco em um público específico, com potencial comercial – é disso, afinal, que vive a TV aberta.

Novo programa, diga-se, não é sinônimo de programa original. "É de Casa" é uma "revista feminina" como outras que a própria emissora e suas concorrentes fazem ou já fizeram.

Ainda que o chef Roberto Ravioli tenha derrubado um frango à parmegiana fora do prato, uma boa notícia é que o nervosismo da estreia foi superado no segundo episódio. Mas ainda há um longo caminho pela frente, como mostra a trajetória do "Encontro com Fátima Bernardes", que precisou de mais de um ano para, com perdão do jogo de palavras, se encontrar.

Ainda que o seu resultado não seja original, "É de Casa" pode se tornar um programa diferente se a sua pauta ficar mais interessante e a reunião deste time de apresentadores resultar em algo especial, ou seja, se rolar uma "química" entre eles. Só o tempo dirá.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

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