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Mesmo com arsenal de truques, “Boogie Oogie” não decolou e acabou cansando

Mauricio Stycer

06/03/2015 05h01


O final de "Boogie Oogie" nesta sexta-feira pormete ser de tirar o fôlego, como foi o primeiro capítulo. A novela de Rui Vilhena chamou a atenção pelo arsenal de truques que usou, mas uma análise mais cuidadosa do seu conteúdo mostra que deixou muito a desejar.

"Boogie Oogie" se passou em 1978, ano em que foi ao ar "Dancin´Days", de Gilberto Braga. Mas, com exceção de algumas cenas na discoteca, os carros e os figurinos dos personagens, é difícil classificar a trama como uma novela de época.

boogieoogierafaelsandraA história ignorou solenemente o espírito daquele tempo, vivido entre o hedonismo, de um lado, e o sufoco, por causa da ditadura militar, de outro. "Boogie Oogie" representou o final dos anos 70, mas podia ter se passado em qualquer época com o seu romance açucarado cheio de peripécias e sua história policial.

Para não dizer que não falou da ditadura, a novela tinha um personagem militar, Elisio (Daniel Dantas), que tentava tratar os filhos como soldados no quartel.

Esta opção diz muito do objetivo do autor – e, imagino, da emissora – de tentar levantar o horário das 18h com uma novela explicitamente sem ambição histórica, dedicada somente ao entretenimento mais óbvio.

boogieoogievitoriaPara tentar alcançar este resultado, Vilhena recorreu de forma despudorada aos mais variados recursos e clichês, como mostrei neste texto e nestas imagens. Com trama ágil, edição intensa e, até cansar, com muita imaginação do autor, "Boogie Oogie" deixou o espectador com dificuldade de respirar.

Todo capítulo tinha drama, correria, briga, gritaria, entra-e-sai, revelação, vai-vém, separação, mais drama, outra revelação, mais correria. Da metade para o fim, tendo que esticar a novela além do planejado, Vilhena não conseguiu mais manter este ritmo e a novela decaiu bastante.

boogieoogiefernandoTambém fiquei decepcionado com a história de "Boogie Oogie". Por trás deste ritmo avassalador, parecia haver pouca coisa para contar. Vitória (Bianca Bin, acima) passou 185 capítulos tentando reconquistar Rafael (Marcos Pigosi), enquanto Pedro (José Loreto) fez a mesma coisa com Sandra (Isis Valverde).

O personagem mais interessante, o ricaço Fernando (Marco Ricca, à dir.), acabou resvalando várias vezes na caricatura ao tentar administrar quatro mulheres e terminou a novela como um bobão. Outra boa personagem, Beatriz (Heloisa Perissé), teve a chance de discutir questões ligadas à emancipação da mulher, mas o papel não evoluiu.

boogieoogiecarlotaA partir de certo ponto, "Boogie Oogie" reduziu um pouco o foco no melodrama em torno dos protagonistas e virou uma história policial. A vilã Carlota (Giulia Gam), então, torturou o público escondendo, por uma centena de capítulos, um segredo que pareceu plantado artificialmente para tentar levantar o Ibope.

Lembro que o horário das 18h tem sido, nos anos recentes, o mais bem servido pela Globo em matéria de novelas originais. Cito algumas: "Cordel Encantado" (2011), "A Vida da Gente" (2011/12), "Lado a Lado" (2012/13), "Meu Pedacinho de Chão" (2014).

"Boogie Oogie" conseguiu chamar a atenção, inicialmente, por passar a impressão de frescor mesmo utilizando com total sem-cerimônia os recursos mais batidos do folhetim. Mas a novela acabou cansando – e é sintomático que, apesar de todos os truques que usou, não tenha sido um sucesso de audiência.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.