Topo

“Chaves” e SBT, tudo a ver

Mauricio Stycer

28/11/2014 21h30


Não é por acaso que o SBT exibe "Chaves" há cerca de 30 anos. O programa é a cara da emissora – tanto por suas qualidades quanto defeitos.

Reza a lenda que nem mesmo Silvio Santos, com seu faro apurado para tudo que é popular, gostou do seriado ao avaliá-lo pela primeira vez, no início dos anos 80. Ainda assim, o SBT começou a apresentar o programa em 1984.

"Chaves" pegou de jeito crianças nascidas a partir da década de 70. Até por uma questão de idade, não sou fã do seriado, nem de Roberto Bolaños (1929-2014), cuja morte ocorreu nesta sexta-feira (28). Mas é muito fácil entender por que foi tão amado.

O programa encanta as crianças e faz rir os adultos em parte por sua excessiva simplicidade. É uma opção coerente com o universo que retrata, mas que também deixa explícita a falta de recursos. Espero não ofender ninguém ao dizer que a produção mexicana é tosca mesmo, como muita coisa que o SBT fez ao longo de sua história.

Também funciona muito bem no seriado o fato de adultos interpretarem os principais papéis de crianças – o próprio Chaves (Bolaños), Quico (Carlos Villagrán) e Chiquinha (María Antonieta de las Nieves). Esse efeito só dá certo porque o texto cabe perfeitamente na boca dos bons atores e, no caso do Brasil, dos excelentes dubladores.

"Chaves" conta histórias que não fazem mal a ninguém, de uma grande ingenuidade e leveza. Os fãs enxergam profundidade onde há apenas bom senso, e veem graça na total falta de sentido de alguns ensinamentos, como "prefiro morrer do que perder a vida".

Como uma boa comédia de situação (sitcom), "Chaves" tem personagens muito bem desenhados e contou com o talento de Bolaños como roteirista, sempre capaz de desenvolver variações em torno do mesmo tema sem que isso causasse incômodo para os fãs.

Ainda assim, esta é outra característica que me faz lembrar o SBT. "Chaves" repete as mesmas piadas e bordões indefinidamente, com a mesma sem-cerimônia com que a emissora reprisa os episódios do seriado.

"Chaves" já trocou de horário infinitas vezes nestes 30 anos e já foi tirado do ar em algumas ocasiões. Mais difícil é a decisão de excluí-lo definitivamente da grade. O seriado não combina com o sonho de o SBT se modernizar. Mas sacar da programação um programa tão amado é uma decisão difícil.

Aliás, o SBT explorou e reprisou tanto "Chaves" nestes 30 anos que não chega a ser uma surpresa, do ponto de vista estatístico, que estivesse passando um episódio do seriado quando foi anunciada a morte de Bolanõs. "Sem querer querendo".

Veja também
Roberto Bolaños, criador de Chaves e Chapolin, morre aos 85 anos no México
Nem Jô Soares nem Didi; para quem nasceu nos 80, só Chaves importa
Querido no mundo, Bolaños colecionou polêmicas durante a carreira
Chaves pertence ao mundo de Didi, Chaplin e Peter Sellers

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.