“Plano Alto” faz reflexão política inteligente, mas estreia na data errada
Assistindo pela televisão uma grande manifestação no centro do Rio, o governador do Estado, Guido Flores, observa: "Todos nós vamos ter que aprender a lidar com isso".
Entre faixas de "o gigante acordou" e bandeiras vermelhas, milhares de jovens, muitos dos quais com máscaras e coquetéis molotov, os chamados black blocs, partem para o confronto com a polícia, enquanto Flores analisa a sua situação política, no conforto da residência oficial do governo.
Estamos em junho de 2013, e Flores está vivendo o seu pior ano. Os sindicatos de servidores públicos vaiam o governador, a oposição articula uma CPI para investigá-lo por corrupção na Assembléia Legislativa, o que pode inviabilizar seu sonho de disputar a presidência da República, e a população começa a sair às ruas, em protesto contra "tudo que está aí".
Eis, de forma muito resumida, a premissa que "Plano Alto", exibida pela Record, apresentou no primeiro de seus 12 episódios. Uma história de ficção sobre o mundo político brasileiro, calcada na realidade, mas sem a preocupação de oferecer "chaves" para que o espectador associe determinados personagens a políticos da vida real.
Quase um gênero nos Estados Unidos, a série de ficção política ainda é pouco comum no Brasil. A mais recente, antes de "Plano Alto", se não me falha a memória, foi "Brado Retumbante", que a Globo exibiu em janeiro de 2012.
O texto de Euclydes Marinho, porém, propôs uma reflexão sobre a realidade política brasileira por meio de um personagem utópico – o político que se torna presidente por acaso, um homem de grandes virtudes éticas e pequenas fraquezas morais, um ser humano quase perfeito.
"Plano Alto" se anuncia bem mais complexa, a julgar por este primeiro episódio. Não à toa, já houve comparações, a meu ver exageradas, com a série americana "House of Cards".
O protagonista, Guido Flores (Gracindo Jr.), é um ex-militante de esquerda, que combateu a ditadura por meio de luta armada, viveu no exílio, foi anistiado e deu início a uma carreira política institucional – foi deputado estadual, federal e senador, antes de virar governador de Estado e sonhar com o cargo mais alto do país.
Filmada com vastos recursos e muito cuidado, planos pouco convencionais e ótima direção de atores, "Plano Alto" também chama a atenção pelo roteiro complexo. Moraes já desdobrou a história principal em várias camadas, com diversas subtramas e personagens, sem didatismo exagerado e cobrando atenção do espectador – características nem sempre presentes na teledramaturgia da Record.
Uma boa ideia da ambição da série é dada pelo número de personagens, 35, um número alto para uma história com apenas 12 capítulos. Cerca de 15 foram apresentados no primeiro capítulo. Além de Gracindo Jr., muito bem como o protagonista, me chamou a atenção Jussara Freire, no papel de Dora Titino, ex-namorada de Flores e mãe de um de seus filhos, o deputado João Titino, vivido por Milhem Cortaz.
O principal problema de "Plano Alto", na minha opinião, é a data de sua estreia. A seis dias de uma eleição presidencial, é complicada a tarefa de analisar a estreia de uma série destinada, segundo seu autor, a incentivar o espectador "a fazer uma reflexão sobre a política num plano mais alto". Para evitar qualquer mal-entendido ou interpretação equivocada, a série deveria ter estreado no início do ano ou ser guardada para depois das eleições. A data escolhida foi a pior possível.
Marcilio Moraes garante no material de divulgação que "todos os lados que estão na luta política podem assistir sem se sentirem atacados ou acusados". Não é a impressão que causa o primeiro episódio de "Plano Alto". Ao evocar as manifestações de junho de 2013, o seriado parece querer perguntar: o que aconteceu com aquela energia toda vista nas ruas? Quem representa hoje os anseios dos jovens de junho de 2013?
Preocupado com eventuais interpretações políticas do trabalho, Moraes registrou uma mensagem em seu blog pessoal, na qual afirma não ter a intenção de fazer uma denúncia, mas sim propor uma análise sobre os bastidores da política. Veja abaixo o esclarecimento do autor:
"Quero esclarecer que minha série 'Plano Alto' não se insere num gênero que poderíamos chamar 'denuncista'. Minha intenção não é denunciar malfeitos e escândalos da política nacional. O que eu quero é fazer uma análise adulta dos bastidores da política. O que chamo de análise adulta é uma perspectiva que se contrapõe à visão infantil muito comum no país de se decepcionar com a política porque ela se rege pela lógica do poder. As pessoas ficam esperando que políticos devem ser bonzinhos, puros, como papais-noéis. Não percebendo o jogo como ele de fato é, acabam votando exatamente nos enganadores, nos que se apresentam como salvadores, etc. Visão crítica, isso que eu quero."
Torço para que seja bem-sucedido em seu objetivo.
Audiência: A nova série teve uma estreia modesta, levando em conta a expectativa e a promoção feita pela emissora. Exibida a partir das 23h30, "Plano Alto" marcou 5 pontos na Grande São Paulo, segundo dados do Ibope. A Record ficou em terceiro lugar no horário, atrás da Globo e do SBT. O lado positivo, na visão da emissora, é que "Plano Alto" elevou a média de audiência do horário em cerca de 20%, comparada com as quatro terças-feiras anteriores, cuja média foi de 3,9 pontos.
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