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Homenagem aos anos 70 parece gratuita no dramalhão de “Boogie Oogie”

Mauricio Stycer

11/08/2014 11h40

O noivo mais azarado do mundo pegou um táxi para ir ao próprio casamento. Primeiro, o carro quebrou e ele teve que empurrá-lo para fazer o motor pegar. Depois, um pneu furou e, quando o taxista se preparava para trocá-lo, um avião caiu a poucos metros de onde eles estavam. Bom coração, ele retirou o piloto desacordado das ferragens, mas acabou ficando preso lá dentro e morreu depois que uma explosão acabou com o monomotor.

Todo ferido e ensanguentado, o piloto é informado pelo taxista sobre o que ocorreu e vai para a igreja. Lá chegando, se dá conta que havia conhecido a noiva na véspera, quando se apaixonou por ela e disse: "Não casa. Não vai dar certo. Você não vai ser feliz com esse cara".

boogieoogiepigosivalverdeTodas estas cenas que resultaram na morte de Alex (Fernando Belo) e no casamento frustrado de Sandra (Isis Valverde) por conta do acidente de avião de Rafael (Marco Pigossi) foram exibidas no primeiro capítulo de "Boogie Oogie".

Para um bom melodrama, já seria mais que suficiente. Mas teve mais. Pouco antes do acidente, Rafael havia pedido a patricinha Vitória (Bianca Bin) em casamento após ter sido pressionado pela tia, Cristina (Fabíula Nascimento), que vê no matrimônio do sobrinho uma chance de melhorar de vida.

Não bastasse tanto dramalhão, fomos apresentados ainda na estreia a Susana (Alessandra Negrini), ex-amante do milionário Fernando (Marco Ricca), pai de Vitória. Ela volta ao Rio 20 anos depois de ter cometido uma grande maldade: inconformada por ter sido dispensada, quando o amante descobriu que a esposa, Carlota (Giulia Gam), estava grávida, Susana trocou a criança por outra na maternidade. Para completar sua vingança, Susana quer agora descobrir quem é a verdadeira filha de Fernando e Carlota.

Peço desculpas ao leitor que acompanhou o capítulo de estreia por ter me alongado tanto nesta descrição, mas realmente fiquei impressionado com o esforço que Rui Vilhena, autor da história, fez para agarrar o espectador pelo colarinho e dizer: "Por favor, assista a esta novela, eu prometo muito drama".

O despudor com que Vilhena apresentou as suas armas logo na estreia acabou deixando em segundo plano o que pode ser o aspecto mais interessante da novela. "Boogie Oogie" se passa em 1978, ano em que foi ao ar uma novela de Gilberto Braga hoje clássica, "Dancin' Days".

O título da novela de Braga foi tomado emprestado de uma casa noturna que existia na época, mas que teve o mérito de representar toda uma cultura e modo de vida – a discoteca.

"Boogie Oogie" é, igualmente, o nome de uma casa noturna. A trilha sonora busca relembrar as músicas daquele tempo. O figurino dos personagens, da mesma forma, faz alusão aos exageros daquele momento. Mas ainda falta algo essencial nesta viagem no tempo – a vontade de retratar o espírito da época.

"Boogie Oogie" tem oscilado entre a homenagem e a paródia, entre o drama e a comédia, mas não foi capaz até agora, depois de seis capítulos, de justificar o esforço de recriação do ano de 1978.

boogieoogiemarcoriccaAlgumas caracterizações, como as dos personagens de Marco Ricca, Betty Faria e Deborah Secco, beiram o cômico, mais próximo de um programa de humor do que de uma novela. Da mesma forma, parece caricato demais o papel de Daniel Dantas, como o militar zeloso da moral e dos bons costumes, que educa os filhos a base de castigos em forma de exercícios físicos.

O personagem mais interessante até o momento é o de Ricca. Dono de uma agência de turismo, mantém uma amante oficial, faz tudo pela filha, administra a esposa e obedece à mãe. O tipo, em alguns momentos, lembrou personagens das crônicas de "A Vida Como Ela É", de Nelson Rodrigues.

Como tem se tornado comum, "Boogie Oogie" recorreu a golpes baixos no esforço de chamar a atenção e prender o espectador nos primeiros capítulos. Espero que os exageros deste início dêem lugar a uma novela mais engenhosa e interessante.

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Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.