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Método Galvão Bueno de narração proíbe mentir, mas aceita exagero e omissão

Mauricio Stycer

27/07/2014 13h31

galvaobueno1Há anos, Galvão Bueno vem repetindo a mesma definição sobre o seu método de trabalho. "Sou um vendedor de emoções", explica a quem dá a honra de entrevistá-lo. O que isso quer dizer exatamente? Na conversa que teve com o comentarista Bob Faria, incluída no livro "Grito de Gol", ele esclarece:

"Não adianta eu me esgoelar e dizer 'que maravilha!!!' se o jogo não presta. Mas também não posso dizer que o jogo não presta porque não posso convidar o telespectador a desligar a televisão".

Ou seja, Galvão entende claramente que não pode mentir para o espectador, mas admite que a omissão é uma ferramenta de trabalho. No mesmo livro, o narrador desenvolve a ideia:

"Onde é que você arranja energia para manter o cara ligado duas horas? No fim das contas, você é um chef de cozinha. Está faltando um pouco mais de pimenta, você vai colocar pimenta; está faltando um pouco de sal, você vai colocar sal; a comida está fria, você dá uma aquecida nela".

Não chega a surpreender, por isso, um comentário feito por Galvão antes de começar uma transmissão de Fórmula 1 neste final de semana e vazado ao público sem que ele soubesse que era ouvido "Não vamos especificar tempo, porque na verdade ele está tomando meio segundo desde ontem".

Quem acompanha F-1 entendeu na hora que era uma referência ao piloto brasileiro Felipe Massa, cujos resultados nas sessões anteriores de treino para o GP da Hungria o deixaram atrás do seu companheiro de Williams, o finlandês Valtteri Bottas, por uma diferença em torno, justamente, de meio segundo.

A orientação do narrador à equipe, portanto, era para não enfatizar a distância, grande para os padrões de F-1, que separava o brasileiro do finlandês. "Vendedor de emoções", Galvão deve ter entendido que essa informação poderia desanimar o espectador brasileiro.

Massa largou em sexto lugar e chegou em quinto no GP. Bottas, que saiu em terceiro, chegou em oitavo. Um resultado não mais que razoável, mas festejado com muita emoção pelo vendedor Galvão. É o Brasil na F-1.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.