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Mais do que de autor, “Meu Pedacinho de Chão” é novela de diretor

Mauricio Stycer

16/04/2014 12h24

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Diferentemente do cinema, onde os diretores reinam, no mundo da teledramaturgia quem sempre deu as cartas foram os autores. O espectador brasileiro se acostumou a identificar as novelas pelo nome de quem as escreve. "Meu Pedacinho de Chão", nova atração da Globo no horário das 18h, alterou este quadro. Mais do que uma novela de Benedito Ruy Barbosa, ela é de Luiz Fernando Carvalho.

Exibida originalmente em 1971, pela TV Cultura e pela Rede Globo, "Meu Pedacinho de Chão" foi definida pelo autor como uma "novela educativa". "A proposta foi mostrar o problema do homem do campo, ensiná-lo sobre as doenças (tracoma, tétano, verminose), levá-lo para uma sala de aula, dar-lhe melhores condições de higiene e ao mesmo tempo mostrar o interesse das classes patronais (fazendeiros e autoridades) pelo camponês analfabeto, sem questionar nunca sua miséria e seus problemas", disse Ruy Barbosa em depoimento.

meupedacinhoprofessoraReescrita (e reduzida) para a versão de 2014, "Meu Pedacinho de Chão" perdeu muito do seu caráter sócio-educativo e, com a ajuda do diretor, se tornou uma aventura fabulosa e, mais importante, encantadora.

Quem bate os olhos pela primeira vez, tem a impressão de que Carvalho apostou numa novela para crianças. Tenho observado, porém, que ele conseguiu o feito de agradar gente de todas as idades com a proposta de ambientar a história num mundo distante do real, onde os animais são de plástico, a vegetação parece de papel e as pessoas andam como bonecos.

meupedacinhoepaQue pai, hoje, ficaria chateado ao saber que o filho trocou uma carreira como advogado pela de engenheiro agrônomo? No mundo encantado da Vila de Santa Fé isso faz sentido, embalado ainda por uma direção que está extraindo interpretações fantásticas, no limite do exagero, seja de atores consagrados como de rostos menos conhecidos.

Raras vezes vi um elenco tão afinado com uma proposta como em "Meu Pedacinho de Chão". Antonio Fagundes (Giácomo), Juliana Paes (Catarina) e Rodrigo Lombardi (Pedro Falcão) estão surpreendentes em papéis pouco usuais. Osmar Prado (coronel Epaminondas) tem dado shows diários, ainda que o tipo que criou seja menos original.

meupedacinhorodapeQuatro ótimos personagens secundários rivalizam com os protagonistas e estão abrindo espaço para o trabalho de atores menos conhecidos do público da televisão. Irandhir Santos (Zelão), Flavio Bauraqui (Rodapé), Dani Ornellas (Amância) e Paula Barbosa (Gina) têm brilhado em cena. Sem falar das duas crianças encantadoras, Tomás Sampaio (Serelepe) e Geytsa Garcia (Pituquinha), que pontuam a narrativa.

No terreno da fábula, a paixão do analfabeto Zelão pela professora Juliana (Bruna Linzmeyer) chama mais atenção, mas não anula o esforço do coronel Epaminondas em manter o povo na ignorância. É uma opção pelo entretenimento, realizada com muita criatividade e inteligência.

Exibidos os seus primeiros oito capítulos, "Meu Pedacinho de Chão" se apresenta como uma grata surpresa de 2014.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.