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Globo faz propaganda religiosa em transmissão de missa por três horas e meia

Mauricio Stycer

28/07/2013 13h42

Por mais importante que tenha sido a visita do papa Francisco ao Rio, por maior que seja o universo de católicos no Brasil, por mais impressionantes que sejam as imagens de devoção na Jornada Mundial da Juventude, me parece um exagero a principal emissora do país ficar três horas e meia no ar, ao vivo, exibindo uma missa, sem oferecer qualquer outra opção ao espectador.

Foi o que aconteceu neste domingo (28). A Globo alterou a sua programação, deixou de exibir dois programas, além do GP da Hungria de Fórmula 1, para oferecer, desde as 9h da manhã, imagens da cerimônia religiosa. Do ponto de vista do Ibope, foi uma ótima aposta (veja na atualização, ao final do texto).

Em formato de "pool", as imagens estavam disponíveis para todas as emissoras de TV, mas a única rede aberta que optou por mostrá-las na íntegra foi a Globo. Sem edição alguma, exibiu, mais uma vez, todo o passeio de Francisco no papamóvel ao longo da avenida Atlântica e, na sequência, a íntegra da Missa do Envio, que marcou o encerramento da JMJ.

Um espectador desavisado vendo a Globo na manhã deste domingo pensaria estar sintonizado na Rede Vida ou na TV Aparecida, não em uma emissora privada e laica. A questão vai além do respeito pela fé. Querendo ou não, a longa transmissão de um evento religioso, quase sem intermediação, passa a impressão de propaganda.

Acrítica, a emissora aderiu ao tom entusiasmado com que a Igreja tem tratado o evento. "Um papa sem medo das ruas", disse a apresentadora Renata Vasconcellos, a quem coube a tarefa de preencher os poucos vazios na celebração. "Vai ficar na memória não só do carioca, mas de todo brasileiro", disse algumas vezes, tentando justificar o investimento.

Em outros momentos desta semana, acho justo dizer, o jornalismo da Globo explorou os mais variados aspectos da visita do papa, mostrando também os problemas que causou, as dificuldades vividas pelos peregrinos e os temas polêmicos que a Igreja não enfrentou na Jornada.

Atualizado em 29/7: A cobertura que a Globo fez da missa do papa, das 8h55 às 12h27, rendeu  média de 13 pontos no Ibope, quatro pontos a mais que a média do horário. É um crescimento de 40% em comparação com os quatro domingos anteriores, informa a colunista Patricia Kogut, de "O Globo".

Imagem: Gabriel Bouys/AFP

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.