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Aisha no Alemão condensa todos os problemas de “Salve Jorge”

Mauricio Stycer

09/05/2013 14h55

Ao longo dos meses, "Salve Jorge" foi motivo de muitas críticas e, também, de piadas por conta das mais variadas situações. Gloria Perez, a autora, foi alvo das principais restrições, mas muitos problemas da novela também devem entrar na conta do diretor Marcos Schechtman e de seus comandados, em diferentes áreas e etapas do trabalho.

Uma cena exibida no final do capítulo de quarta-feira (08) ajuda a entender direito o conjunto de responsabilidades que levou "Salve Jorge" a se transformar num caso de estudo, tantos são os seus erros.

Mustafá (Antonio Caloni) e Aisha (Dani Moreno) vão visitar a mãe biológica da jovem no Complexo do Alemão. É a segunda visita dela. Como da primeira vez, Aisha parece chocada, para não dizer que tem nojo, da situação de pobreza de Delsuite (Solange Badim) e seus familiares.

Como outros temas abordados por Gloria Perez, o do preconceito social da patricinha é ótimo. O problema é que não faz sentido. Aisha passou 150 capítulos da novela lutando para descobrir seus pais verdadeiros. Era uma obsessão. Chegou a falar com Lurdinha (Bruna Marquezine) pela internet e viu que a possível irmã morava numa favela.

O espanto de Aisha com a pobreza da família não é compreensível para quem acompanhou a saga dela na novela. Discutir preconceito social é ótimo, mas não cola quando o assunto chega de paraquedas, a duas semanas do fim da novela. É apenas mais um motivo para o público se irritar com "Salve Jorge".

Para piorar, a cena é cheia de erros. Uma imagem mostra que Mustafá e Aisha estão dentro de um táxi, aparentemente um Meriva (acima). A cena, porém, foi gravada em estúdio. Assim, a paisagem que o espectador vê, enquanto o carro percorre as ruas com os dois personagens dentro do carro (esq.), é um "chroma key", ou seja, um efeito pelo qual uma imagem é inserida no fundo sobre a outra.

É normal o uso deste efeito. Mas precisa ser bem feito. A certa altura, pela janela do carro de Mustafá vemos uma paisagem. A câmera muda e o espectador vê a paisagem pela janela de Aisha. Volta-se para a janela de Mustafá e a imagem é a mesma do take anterior – como se o carro estivesse no mesmo lugar, o que não é o caso. Um erro primário.

Quando o táxi chega ao Alemão, ele já é de outro modelo, que em nada lembra o que vimos no início da cena. Parece um Voyage, segundo notaram vários espectadores (dir.).

Ou seja, a cena está tratando de forma errada de um problema (preconceito social), foi mal produzida (falha do chroma key) e tem um erro de continuidade. Eis um bom resumo do que foi "Salve Jorge".

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.