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A cena da semana: José Wilker e Laura Cardoso se destacam numa novela convencional

Mauricio Stycer

28/10/2012 06h01

Arrependido de ter matado a própria mulher, a quem nunca deixou de amar, mas convicto que tinha o direito de fazê-lo. Este foi, em resumo, o insustentável ponto de vista defendido pelo coronel Jesuino durante o seu julgamento, no penúltimo capítulo de "Gabriela".

Com poucos gestos, expressões faciais fortes e entonação do texto perfeita, José Wilker conseguiu transmitir verdade a esta argumentação esdrúxula. Foi, talvez, o melhor momento em uma novela que vai deixar poucas marcas.

Gostei muito também de Laura Cardoso, no papel da moralista Dorotéia, que escondia o passado de prostituta (quenga, na linguagem da novela). Mas não consegui "embarcar" na viagem proposta por Walcyr Carrasco.

"Gabriela" gira em torno de um tema batido, hiper-explorado pela TV, pelo cinema e pelo teatro nos últimos 50 anos – o do atraso dos grotões do Brasil. A própria historia de Jorge Amado já havia merecido uma novela de muito sucesso nos anos 70, além de um famoso (e péssimo) filme com Marcello Mastroianni na década de 80, entre outras adaptações.

"Dono" de Ilhéus, o poder do coronel Ramiro (Antonio Fagundes) estendia-se a todas as instâncias da vida na cidade, da política à Igreja, da economia à vida íntima de todos os seus familiares. As mulheres, nesta sociedade machista e patriarcal, podiam fazer pouca coisa além de fofocar, cozinhar e satisfazer o marido.

Gabriela, Jerusa, Malvina e Lindinalva… O tema das mulheres oprimidas e de seus amores impossíveis foi explorado de todas as formas possíveis, quase sempre em tom água com açúcar e pitadas de sensualidade.  Por ironia do destino, a personagem que deu título à novela, cujo drama era o mais interessante, mas de menor apelo, acabou perdendo espaço para as demais.

Carrasco e Mauro Mendonça Filho, o diretor, optaram por uma adaptação conservadora, convencional, sem riscos. Acho que vale a pena refletir sobre o fato de a audiência ter mantido praticamente os mesmos índices de "O Astro", um remake muito mais ousado e provocador, dirigido pelo mesmo Mendonça.

A cena do julgamento do coronel Jesuíno pode ser vista aqui. Um outro balanço da novela, mais favorável, pode ser lido aqui.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.