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Ricardo Teixeira descreve a Globo como parceira no jornalismo

Mauricio Stycer

08/07/2011 10h59

Ao longo de uma dezena de encontros, em Zurique, na Suíça, no Rio, em São Paulo e em Brasília, a repórter Daniela Pinheiro entrevistou, ouviu conversas e observou Ricardo Teixeira com o objetivo de traçar um perfil do presidente da CBF para a revista "Piauí".  O resultado, estarrecedor, está publicado na edição de julho da revista (um bom resumo pode ser lido aqui, no UOL Esporte).

Arrogante, exibido, sem modos, incapaz de falar uma frase sem palavrões, o Ricardo Teixeira descrito por Daniela Pinheiro tem dois problemas principais: os ingleses e a mídia brasileira.

Responsabiliza os primeiros por um complô para desmoralizá-lo pelo fato de o Brasil ter superado a Inglaterra na disputa para sediar a Copa de 2014. Demonstra raiva e desprezo por dois homens em particular, o jornalista Andrew Jennings e o cartola David Triesman, que o acusam de corrupção, mas estende seu ódio a todo e qualquer inglês, num claro sinal de preconceito. "Ninguém vai a nada de inglês", diz, ao recusar um convite para um baile no Copacabana Palace em homenagem à rainha Elizabeth.

Mas o foco principal de Teixeira, nas suas conversas com a "Piauí", é a mídia. O presidente da CBF odeia os jornalistas. Qualifica os profissionais como "esses putos", chama a imprensa de "vagabunda", "escrota", "de quinta categoria". Enumera os seus alvos mais de uma vez, a saber: UOL, "Folha", "Lance!" e ESPN. Com arroubos de imperador, diz: "Só jornalista fala mal de mim".

O ódio aos profissionais e aos veículos que fazem jornalismo sério é compreensível, ainda que seja surpreendente o tom usado nas declarações. Mais espantosa é a forma como Teixeira se refere à Rede Globo em diversas passagens do texto.

Parceira comercial da CBF, a emissora é descrita por Teixeira como uma parceira também na área do jornalismo. Diz não temer as denúncias de irregularidades em sua gestão noticiadas por diversos veículos porque elas são ignoradas pela Globo. "Só vou ficar preocupado, meu amor, quando sair no 'Jornal Nacional'", diz.

Em outra passagem, Teixeira assegura a um empresário que seria entrevistado pela emissora sobre os pacotes de hospedagem e ingressos para a Copa de 2014 que não haveria perguntas sobre os preços "estratosféricos". "Não vai ter isso, não: está tudo sob controle", diz o presidente da CBF, sugerindo que os termos da entrevista foram previamente acordados com a Globo.

Daniela descreve uma entrevista realizada pela Globo com Teixeira quatro dias antes da eleição do presidente da Fifa, em maio: "Apesar de todas as denúncias sobre corrupção e suborno, nenhuma pergunta foi feita sobre o assunto pela Globo".

A repórter lembra que, em 2001, durante a CPI da Nike, a emissora produziu um "Globo Repórter" sobre o caso, sustentando que a renda de Teixeira era incompatível com seu patrimônio e padrão de vida. Em represália, o presidente da CBF diz ter alterado o horário de uma partida entre Brasil e Argentina, prejudicando a Globo. E gaba-se que depois disso nunca mais houve reportagens negativas sobre a CBF na emissora.

Ao falar das recentes reportagens da Record sobre a CBF, Teixeira observou: "Quanto mais tomo pau da Record, fico com mais crédito na Globo". E, por fim, ameaça: "Em 2014 posso fazer a maldade que for. Não dar credencial, proibir acesso, mudar horário de jogo. E sabe o que vai acontecer? Nada".

Em nota, a Globo afirmou que não comentaria a entrevista à "Piauí" por "desconhecer as circunstâncias em que foi feita (a emissora sequer foi ouvida na sua realização)." E garantiu que o jornalismo da emissora "é absolutamente independente e não existe quem possa influenciar a sua linha editorial, baseada sempre em critérios de correção e isenção."

Em tempo: Tomei a liberdade de reproduzir acima o genial desenho de Cárcamo que ilustra a reportagem da revista Piauí.

Em tempo 2: Em entrevista ao UOL Esporte, o jornalista Andrew Jennings diz que as críticas da Fifa à Copa-2014 são teatro entre Valcke e Teixeira.

Atualizado em 21 de julho: A reportagem da "Piauí" está agora disponível na íntegra no site da revista.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.