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Farkas ensina que a fotografia é a arte da convivência

Mauricio Stycer

14/02/2011 12h37

Nascido em Budapeste, em 1924, Thomaz Farkas é um nome central, como diz Cristiano Mascaro, no estabelecimento da fotografia moderna brasileira. Teve participação decisiva, na década de 40, no Foto Cine Clube Bandeirantes, um centro de discussão e realização fotográfica, produziu uma série de documentários sobre a realidade brasileira, nas décadas de 60 e 70, além de ter lançado uma revista e aberto uma galeria para promoção e discussão do assunto.

Por sua "profunda modéstia", na visão de Mascaro, Farkas guardou parte significativa de sua produção num "baú misterioso", que só recentemente foi aberto. Uma amostra do que o seu acervo de 34 mil imagens contém está em exibição no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, e no livro "Thomaz Farkas – Uma Antologia Pessoal", recém-lançado.

No último sábado, 12 de fevereiro, Farkas foi à Livraria Cultura, em São Paulo, debater o seu trabalho com Mascaro e Sergio Burgi, coordenador de fotografia do IMS. Fisicamente frágil, mas com a voz firme, transmitiu uma lição importante ao público que lotou a sala: fotografia é convivência, troca de experiências entre as pessoas.

"Nunca vi uma pessoa celebrar tanto a amizade quanto ele", disse Mascaro. "A fotografia de Farkas fala sobre a alegria de viver, nos leva a perceber como é boa a vida. Seu trabalho mostra uma celebração da vida".

Entre as fotos inéditas que Farkas guardava no baú e vieram à luz agora está um incrível retrato do fotógrafo José Medeiros, o craque da revista "Cruzeiro", feito em 1946. A imagem mostra a sombra do fotógrafo sobre uma grade, tomando um sorvete. É uma das muitas fotos que revelam não apenas o seu talento formal como o olhar atento às muitas sugestões que uma cena pode oferecer.

A exposição e o livro mostram a "evolução" do trabalho de Farkas. Das primeiras fotos de viés formal e abstrato, como diz Burgi, para o trabalho com uma visão mais humanista, próximo do fotojornalismo.

Isso fica nítido em várias séries, como a dedicada ao futebol. Fascinado pelo esporte, o fotógrafo registra a paixão do povo, seja na imagem das crianças trepadas em árvores ou nos pés dos espectadores na arquibancada do Pacaembu (é a imagem no alto deste texto, datada de 1942).

Notáveis, igualmente, são os inúmeros retratos de gente simples em bares ou nas ruas, bem como a imagem de Melanie, sua primeira mulher, que ilustra a capa do livro. Em todas elas, a construção da cena e da luz perfeita ficam em segundo plano diante da vida captada pelo fotógrafo

Questionado por um espectador do debate se, com as novas tecnologias, qualquer pessoa hoje pode ser considerar um fotógrafo, Farkas disse que sim. "Todo mundo é meio fotógrafo".  Provocado a explicar melhor, acrescentou: "Porque a foto não é só nós, é nós e eles".

Neste seu elogio da troca, da convivência, Farkas ensina que qualquer um pode, realmente, fotografar, mas não é o equipamento, seja ele uma câmera de último tipo ou um telefone celular, que vai produzir imagens que emocionam.

Em tempo: A imagem de Farkas e Mascaro no debate foi feita pelo editor João Farkas, filho do fotógrafo, que ajudou a organizar o livro e a exposição.

Em tempo 2: Outras fotos da exposição podem ser vistas aqui, no UOL Entretenimento.

A exposição "Thomaz Farkas: uma antologia pessoal" fica aberta até 3 de abril no IMS (Rua Piauí, 844, São Paulo), de terça a domingo, a partir das 13hs. A entrada é gratuita. O livro, com 140 imagens, custa R$ 85.

Sobre o autor

Mauricio Stycer, jornalista, nascido no Rio de Janeiro em 1961, mora em São Paulo há 30 anos. É repórter especial e crítico do UOL. Assina, aos domingos, uma coluna sobre televisão na "Folha de S.Paulo". Começou a carreira no "Jornal do Brasil", em 1986, passou pelo "Estadão", ficou dez anos na "Folha" (onde foi editor, repórter especial e correspondente internacional), participou das equipes que criaram o diário esportivo "Lance!" e a revista "Época", foi redator-chefe da "CartaCapital", diretor editorial da Glamurama Editora e repórter especial do iG. É autor dos livros "Topa Tudo por Dinheiro - As muitas faces do empresário Silvio Santos" (editora Todavia, 2018), "Adeus, Controle Remoto" (Arquipélago, 2016), “História do Lance! – Projeto e Prática do Jornalismo Esportivo” (Alameda, 2009) e "O Dia em que Me Tornei Botafoguense" (Panda Books, 2011).

Contato: mauriciostycer@uol.com.br

Sobre o blog

Um espaço para reflexões e troca de informações sobre os assuntos que interessam a este blogueiro, da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor.